Notas antigas
E é muito curioso o quanto certas coisas são capazes de nos fazer lembrar de épocas de nossas vidas.
Épocas que queremos lembrar e épocas que queremos esquecer.
Ao folhear um caderno velho ou um bloco de anotações a gente encontra maravilhas. E muitos pedaços destas épocas vão aparecendo na memória, como num filme antigo, que a gente tinha esquecido que assistiu.
Encontrei um caderno antigo e comecei a folhear.
A cada página virada uma lembrança.
Encontrei recados que eu deixei para mim, reforçando minha falta de memória que não é de hoje.
Pedaços de músicas, versos que gostei, notas do colégio, anotações de um emprego tirado do jornal daquele dia, que não sei se fazia chuva ou sol, mas lembro que minha vida era uma boa tempestade nessa época.
Foram achados telefones, endereços que não faço ideia de quem são ou de onde são, rascunhos de cartas que nunca foram entregues... o orçamentos de algum aparelho que mandei arrumar, nomes de personagens de séries que comprovam minha paixão antiga por seriados.
Encontrei horários, nomes de remédios e suas doses, proporcionais para aliviar a dor da época.
Lista de compras que provava que os quilos extras não eram por acaso, receitas de comidas que nunca deram certo e de outras que já não preciso mais de receita para fazer.
Então fiz um balanço de tudo o que fui quando tinha aquele caderno.
Estudei, morei junto, me formei, tive emprego, morei só, fui gorda, fui magra, fui filha, fui mãe, fui internada num hospital, fui feliz, sofri por amor, ganhei, perdi, chorei, sorri demais, ri mais ainda, conheci, esqueci, fiz amigos, fiz mais amigos, perdi amigos, escolhi, errei, acertei, cheguei.
Neste mesmo bloco uma época ruim e difícil, com uma pitada de alegria escondida entre as folhas amassadas.
Em todo caso, destaquei as folhas e li todas, uma a uma, e me dei o direito de rasgá-las cuidadosamente, para enfim virar uma página da vida.