Textos só para mulheres...!?
'Eu não sirvo de exemplo para nada,
mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de
testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. A imperfeita que faz tudo o
que precisa fazer, como boa profissional, mãe, filha e mulher que
também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao
supermercado, decido o cardápio das refeições, cuido dos filhos, marido
(se tiver), telefono sempre para minha mãe, procuro minhas amigas,
namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas
de e mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora
diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos
domésticos e ainda faço as unhas e depilação!
E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas não uma workholic.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás.
Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.
Quando
você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe
apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo
para os outros..
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa
expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante
as madrugadas e mamasse direitinho.
Você não é Nossa Senhora.
Você é, humildemente, uma mulher.
E,
se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida
interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é
ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por
dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser
indispensável. É ter tempo.
Tempo para fazer nada.
Tempo para fazer tudo.
Tempo para dançar sozinha na sala.
Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.
Tempo para sumir dois dias com seu amor.
Três dias..
Cinco dias!
Tempo para uma massagem.
Tempo para ver a novela.
Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.
Tempo para fazer um trabalho voluntário.
Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.
Tempo para conhecer outras pessoas.
Voltar a estudar.
Para engravidar.
Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.
Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.
Porque
nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela
quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.
Existir, a que será que se destina?
Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A
mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se
não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada.
Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.
Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si.
Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo!
Nada
é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente. Mulher
que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir.
Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir
essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha
trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.
Desacelerar
tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel
decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C. Mas, se você precisa
vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando
rever seus valores.
E descobrir que uma bolsa de palha, uma
pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto
lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva
sobre o que é, afinal, uma vida interessante'
Martha Medeiros - Jornalista e escritora
Texto na Revista do Jornal O Globo